O outro lado do espelho

 O outro lado do espelho...


Nada tem, apenas um reflexo. Um feixe de luz que torna um punhado de 
átomos um autêntico exército de crianças endiabradas. Depois há o 
gradiente, torna esse mesmo reflexo mais quente, mais denso, ou mais 
escuro. Os reflexos mais escuros são complexamente simples. 
Contradição, hein? Apenas na construção frásica. Se pararmos para 
pensar, um bocadinho apenas, é simples. E nessa simplicidade, o 
gradiente mais escuro encontra a sua própria luz.

Fui desafiado. A escrever. Na verdade, tenho escrito. Mas não para ti, 
Mulher, Homem, que outrora criança foste. Foi-me arrancado esse 
prazer. Foi estranho viver todo este tempo sem sombra. Mas não falemos 
de mim, não é isso que aqui me trás. Continuemos. E nesse mesmo 
encontro, pode estar imprimida aquela janela. Aquela, a quem pertence 
a tua infância. A infância guardiã da noite, das dúvidas que 
entregavas a Deuses, e dos desejos almejados por Demónios. Chegado o 
dia. A janela, e apenas luz. Luz do que ainda está para ser.

Vá, toca a levantar, hora de ir para a escola. Nada de esquecer o 
lavar das dentolas. Fizeste o TPC? Saudades. Aquele quadro negro. 
Lembras-te? Criança de agora não conhece esse tempo, é pena. 
Recordas-te da impressão que o giz causava na pele? Do orgulho com que 
esfregavas na cara dos colegas a resposta correta, enquanto, 
meticulosamente deslizavas um novo pau de giz, que fazia aquele 
ruidinho latejante? A escola acabou, Mulher, Homem. Diria que chegado 
a este último parágrafo, como leitor, já teria eliminado este texto. 
Caso imprimido, ou escrito à mão (coisa rara hoje em dia), teria sido 
rasgado. Em mil e um pedaços. Mas teimo em continuar. Porque tu me 
desafiaste! E agora, vais ter que me ler até ao fim. Porque conheço a 
tua sede, de saber o que estará no fim destas linhas. A resposta que 
procuras? Talvez. Seria mais fácil atalhar. Mas, aviso que só 
entenderás se seguires um simples regra. Ler até ao fim.

Prometo tornar estas próximas linhas uma tortura, com sabores e 
momentos, curtos e longos, doces ou amargos. Não preciso de explicar 
mais do que isto. Tu, Homem, Mulher. Sabes bem do que falo, sobretudo, 
tu, que me desafiaste a escrever.

Hoje, crescidos. Vivemos rápido, entre 8 a 12 horas. Tristes, 
Contentes, Ricos, Pobres. Mas não vivemos uma porra. Não vivemos o 
essencial. O que é o essencial? A entrega. A Luz e a Escuridão. Ambas 
se complementam, como já dito, com o equilíbrio certo. E o nosso 
trabalho, deveria ser esse. A remuneração? A minha, a tua, a nossa 
dedicação. Ao estranho e ao próximo. Pronto, pronto. Vamos entrar na 
história do Amor e Cabanas. Nada disso. Estranhamente, por forma a 
conseguirmos a aceitação do rejeitado, procuramos esconder a nossa ira 
no utópico. Servimo-lo no final, com um Tónico de verborreia. Aquela 
que te fica bem, que a mim me enjoa, aquela que ninguém se atreve a 
contestar, porque está politicamente certo. Irrita-te? Hum. Gosto.

Aprendeste, Homem, Mulher, a arte do Amor. Aquele Amor que é sujo, 
ruidoso, mas que tão bem sabe. Aquele que prolifera a espécie. Ui, o 
que daqui poderíamos discutir. Imaginas as ramificações. Tu que me 
desafiaste, lembras-te? Não vou ser maroto. Por agora. Amei-te, 
Amaste-me. Amámo-nos? Boa pergunta. Alguém se preocupou com a 
resposta? Irrelevante. Porquê?
Mas, e aquele amor, que não é sujo. Pode ser ruidoso, dependendo dos 
intervenientes, físicos ou não. Bom, esse acabou como a poeira do solo 
ardiloso, que o teu ou meu Avô suaram para verdejar. Aquelas cenouras 
e couves, aquele rego de morangos que sorrateiramente arrancavas, e 
pelo canto do olho, eras fulminantemente apanhado ou apanhada pela 
Avó. Tempos. Esses já eram. Quando perdias tempo a laminar pedaços de 
madeira para que se assemelhassem à espada do He-Man. Ou até a rasgar 
os cortinados da tia, para fazer aquela grande saia da Sailor Moon. O 
resultado, sabemos qual é, nunca acabava pelo melhor.

Mas existia Amor. E o Amor entre Amores? Aquele que enjoava por vezes? 
Hoje, isso é apenas uma miragem. Foi isto que nos trouxe ao que somos 
hoje. Acamados. Desprovidos. Ausentes.
Esse estado latente quanto mais vai durar? A Pêndulo não é eterno. O 
Relógio um dia vai parar. E a frustração da ausência de respostas, é 
não mais que um punhado de crianças endiabradas. A tarde convida o sol 
a pôr-se. Luz quente, que vai convidando a sombra. Olha bem, o espelho 
no fundo do quarto, em cima da cómoda. Do outro lado, alguém como tu 
ou eu, se reflete, se completa, ou se divide. Do outro lado do espelho 
te espero, para me contares. Para me sentires. Para me viveres e 
respirar. Do outro lado do espelho, o reflexo de mim, de ti perpetua. 
Olhei o meu espelho, e procurei-te. Os reflexos mais escuros são 
complexamente simples. Contradição, hein?



Data: 12/04/2018
Autor: João. Amigo de Coração de tantas Eras. 
Nota: Em limpezas de email cruzei-me com esta Obra. Faço questão de lhe dar o destaque que merece. 

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